terça-feira, 21 de abril de 2015

O 189º post - Eu juro que eu não pretendia me estender tanto assim.

E então o vazio se enche de caos. 

Em uma noite cansada e atarefada, daquelas que é inadmissível qualquer tipo de interrupção, ela resolve fazer uma visita. Já era, a noite acabara ali e o dia seguinte seria um daqueles que a gente mal se aguenta de pé. Um daqueles de sentir o corpo latejando de cansaço e os ombros e cabeça pesando como se tudo estivesse prestes a desabar. E estava. Ele sabe que cedo ou tarde tudo vai (ou iria) ruir de qualquer forma, mas o que importava era que ele tinha uma visita. 

E não fora uma visita qualquer: ela tinha tudo preparado e ela sabia como fazer aquele velho rabugento se transformar em uma criança birrenta. Foi uma daquelas visitas que te coloca na ponta dos pés e bem na beira do abismo, se sentindo leve como se qualquer brisa fosse te levar aos céus ou jogar de volta na realidade. Foi uma daquelas visitas que você passa o dia inteiro tentando inventar desculpas para vencer suas desculpas para não fazer o convite para voltar.

E isso tudo porque ele não acredita em anjos ou em signos. E ainda menos em fadas. Se isso fosse um daqueles filmes do Peter Pan, o quarto dele pareceria mais um cemitério de serzinhos brilhantes, mas ele não acredita nessas coisas e nem mesmo vagalumes brilham na janela. Ele sabia que nada iria dar certo e que ele deveria fazer o possível para protegê-la. Como se já não bastasse estar contra o mundo, agora ela teria que lidar com um velho rabugento e derrotista, que tem habitualmente ouve frases como: "eu te reconheci pelo pessimismo".

No fim das contas, o previsível e inevitável: ele acaba cedendo ao seu coração (?). E aquela era mais noite atarefada que ia embora, mas que não importava, assim que como não importaram os últimos de férias. O que importava era que ele faria uma visita. E então ele se permitiu ser feliz, afinal era sobre isso que ela falava, não era? Vem à mente aquele música tosca e: "vamos nos permitir".

- "Em quinze minutos estou aí."

Ele monta sua bicicleta. Ele chega na hora mas ela não. Uns vinte minutos de atraso. Ele tenta se manter afastado. Ela abre a porta. Ele entra. Ela fecha a porta. E essa parte fica entre os dois. 

E então o vazio se enche de paz. 

A porta se abre. É um novo dia. E é claro que ele conseguiu estragar tudo nesse tempo. No fim das contas, são sempre os mesmos dias. Ela fecha a porta. Ele do lado de fora. Pedala o mais rápido que pode. Chega em casa. Lava o rosto.

E na verdade ele não é daqueles que diz que olha no espelho e não se reconhece. Ele se vê e se reconhece muito bem. Aquele corpo magro, frágil e incapaz. Aquela barba rala e assimétrica, que ele tenta disfarçar com um bigode. Aquela pele que, embora morena, ele sempre tem a sensação de palidez. Aqueles olhos fundos e com olheiras que sempre tendem a se fechar e todos dizem passar tranquilidade, mas que no fim das contas talvez seja só falta de energia ou de expectativa pra reagir a todos esses estímulos. Ele se reconhece bem, sabe que a imagem que se mostra é a mesma que sente na pele. É a mesma pessoa, e ele conversa consigo mesmo, porque só ele sabe o que precisa ser dito.

Ensaia um daqueles sorrisos sarcásticos. Sarcasmo esse que se tornou sua arma favorita para a auto-destruição e para fingir que está tudo bem. Até mesmo um velho rabugento que já assinou sua carteira de perdedor precisa fingir que está bem com isso.

- "É, dançarino, teu passo é torto mesmo e tu tá sempre fora de tempo, melhor tu descer desse palco."

E não vamos comentar sobre as jornadas da madrugada seguinte, okay? Vamos pregar cartazes anônimos na parede, daqueles que quem ler vai saber que foi a gente. Nosso pessimismo é marca registrada, não é? E o lado bom é que estamos isentos de ter que nos explicar ou dar mais detalhes, no fim das contas vão pensar foi só uma história que a gente inventou.

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