sábado, 16 de fevereiro de 2013

O 135º post - A história do carinha medroso de Seychelles


"Eu sempre me refiro a essa história, mas nunca contei pra vocês. Na verdade, não tem nada muito especial, é bastante comum até. Acho que só me marcou tanto por que aconteceu com um grande amigo meu. Não tão amigo a ponto de eu sentir saudades, era mais um amigo de ocasião, eu sou cheio deles. Estávamos no mesmo lugar com os mesmos afazeres e aí surgiu essa nossa "amizade". O nome eu não me lembro, vários detalhes eu me esqueci, não por estar velho, mas simplesmente por não querer me lembrar. Algumas memórias só servem pra te agoniar."      

"Desde pequeno ele sempre teve muita sorte na vida: uma família ótima, equilibrada, amável e uma condição confortável o bastante para ter tudo o que precisava, e às vezes até o que não precisava. Era inteligente, talentoso e não muito bonito, mas tinha uma personalidade até que cativante de vez em quando, nunca teve problemas para conseguir amigos ou amores. Além de sorte, sempre esteve muito disposto e motivado a correr atrás do que queria, acho que por isso tinha tanto “sucesso”, não por competência, mas por resistência. O rapaz tinha tudo para dar certo, exceto por um pequeno problema que o atormentava desde pequeno: sempre teve muito medo. Quando era pequeno, tinha medo de fantasmas, de pessoas, de extraterrestres e até mesmo de Deus, talvez por isso, quando se tornou mais velho, deixou de acreditar em bastante coisa."              

“Ótimo, agora já não acreditava mais no divino ou no sobrenatural, não tinha o que temer. E foi nesse sentimento de positividade e segurança que viveu sua juventude. Sempre cheio de projetos e sonhos, que muitas vezes não alcançava, mas estava satisfeito por estar sempre tentando e, assim, nunca falhar. “        

“Mas, cedo ou tarde, ele teve que conhecer o mundo (Essa parte eu não sei bem como aconteceu, não cheguei perto o bastante para entender), o que acontece com qualquer um, e com a mesma intensidade, a sua positividade foi se transformando em frustração. Falhas, perdas, abandonos e traições  eram tudo o que via, e então se convenceu que não era de deuses ou de monstros que deveria desconfiar, mas sim de pessoas. Se convenceu de que ninguém se importava e então não deveria se importar com ninguém, se convenceu de que não faria a diferença na vida de ninguém e então não deveria permitir que ninguém fizesse na sua. E o pior de tudo, se convenceu de que não era capaz.” 

“Mas ele sabia que não deveria pensar assim, sabia que nunca deveria desistir, sua vida toda havia sido sobre isso, sobre não desistir, e se sentia um idiota se sentir incapaz, em se sentir inseguro. Insegurança essa, que caminha lado a lado com o medo.”               

“Então, tentou continuar sendo aquele rapaz “bem-sucedido”, que sempre corria atrás do que queria e sempre conseguia. Conseguiu um ótimo emprego, uma ótima esposa, arrumou bons amigos para viajar e entrou para um time de futebol amador para os fins de semana. Tinha tudo, tudo o que sempre quis para ser feliz. E era feliz.”             

“Feliz? Não sei essa é mesmo a palavra. Ele se sentia muito bem com tudo o que tinha sim. Mas nunca conseguia dormir tranquilamente.  Estava sempre pensando no emprego, que se não demonstrasse ser o melhor de todos (e ele era um dos melhores), logo alguém tomaria seu trabalho. Estava sempre pensando no time, que deveria jogar melhor para não arrumarem outro atacante mais jovem e talentoso ou então se frustrava pensando que ninguém nunca queria “jogar sério”. Estava sempre pensando nas viagens, que deveria ser uma boa companhia, ou seus amigos arrumariam outros amigos e ele seria excluído, às vezes tinha a sensação de que isso já tinha acontecido, na verdade, que só viajavam com ele porque ele chamava. E quando estava sozinho na cama, pensava no casamento, em como ele tinha que ser perfeito para ela, que a qualquer momento ela poderia encontrar outro alguém melhor e ele ficaria sozinho mais uma vez.”             

“E então, apesar de ter tudo, transformava sua felicidade frequentemente em um estresse infernal. Nessa parte eu estava tão próximo, que eu me lembro bem como ele estava, como se fosse ontem, e a impressão que eu tinha era de que ele estava enlouquecendo. No emprego, por querer tanto mostrar serviço, ficava nervoso, não conseguia se concentrar e não fazia nada direito. No casamento, estava sempre carente de atenção e com fazendo aquele mesma força para ser o melhor, e às vezes acabava se distraindo da própria amada. No time, sempre se esforçava demais, se machucava, se cansava e acabava se saindo um tanto mal. Os amigos de viagem, ele acabava se afastando, pois pensava “Eles nunca me convidam para nada, também não vou convidá-los”.”  

“Então, ficou neurótico. O empregado desajeitado, o marido ausente, o atacante lesionado, o amigo distante. E ninguém aguenta alguém ser  assim por muito tempo. Teve que deixar o time, por uma lesão no joelho. No emprego, acabou por surtar em um dia estressante e falou mais alto do que devia, agora era desemprego. A esposa não aguentava mais a ausência, foi buscar uma vida companheira. E os amigos, já estavam distantes há muito tempo, vivendo suas vidas. E ele estava só.”        

“Por um tempo, teve tudo, amor, dinheiro, amigos, lazer, e depois não tinha nada. Nem a sua insegurança tinha mais, depois deixar louco e levar tudo o que ele tinha, ela o deixou também.”

“Dia desse encontrei com ele em Seychelles, em uma daquelas viagens que sempre faço com a família. Ele estava feliz. Feliz como nunca esteve. Não fez muito sentido para mim, já que da última vez que o tinha visto era o homem mais miserável que já conheci. Mas ele me explicou.

- Quando você não tem mais nada, você não tem o que perder. Então eu vim para cá. E resolvi levar essa vida, sempre precisar de nada, e sem perder nada.”

“Pra mim, soou como covardia, mas eu ainda assim eu fiquei feliz, o homem mais miserável que já conheci se tornara o homem mais feliz que já conheci. O homem que sempre teve tudo só se tornou realmente feliz quando passou a ter nada.”

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